Como aprender idiomas sozinho: um guia prático em português

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Por que e quando vale a pena aprender uma nova língua

Aprender um idioma até um alto nível de proficiência é um comprometimento de anos, se não para toda uma vida. É praticamente impossível ter sucesso se você não possui uma razão tangível e concreta para conseguir compreender e utilizar esse idioma.

A melhor razão possível é haver uma necessidade desse idioma para a sobrevivência; é o caso quando se mora num país que fala somente este idioma. Aliás, não existe necessidade maior do que uma criança que precisa se comunicar com os pais em sua língua materna - para sinalizar quando tem fome, frio, sede, vontade de ir ao banheiro, dor, ou simplesmente quando quer ou não quer alguma coisa. Isso pode ser observado especialmente em caso de filhos de pais bilingues ou cujos idiomas nativos são diferentes da língua predodminante no país: a criança só aprende o idioma dos pais se ela precisar. O pai nasceu no Brasil, mas fala inglês e teve o filho nos EUA? Se o pai não se recusar a falar inglês com a criança, a criança entende instintivamente que ela não PRECISA do português e fica relutante em aprendê-lo. A criança precisa entender que falar os dois idiomas é uma necessidade para ela conseguir o que ela quer para aprender as duas línguas.[1][2]

Isso significa que você pode, por exemplo, ser tentado pela ideia de se tornar "fluente em japonês" para assistir anime sem legenda. Mas se você usar legendas para assistir anime, ou mesmo se você lembrar que elas existem e estão facilmente acessíveis quando bem entender, você saberá que não precisa aprender japonês para assistir anime. Se essa for a sua única razão, o que você acha mais provável? Que você vai estudar japonês diligentemente todos os dias por cerca de 7 anos para finalmente conseguir assistir um anime sem precisar de nenhuma assistência; ou que você em algum momento vai ceder e assistir o anime com legendas? Sua vontade de consumir o conteúdo provavelmente supera em vários graus a sua vontade de estudar e praticar a língua.

Quanto não temos uma necessidade real, dependemos da nossa própria força de vontade para nos auto-impormos necessidades artificiais - mas elas precisam ser muito boas e convincentes. Seguem alguns exemplos:

Veja que não é completamente impossível alguém aprender japonês para assistir anime, mas essa pessoa tende a ser alguém que é fã de cultura japonesa há anos e que já sabe que tem muito conteúdo que deseja consumir que jamais será traduzido. Aprender japonês então é uma forma de tomar controle da situação e não depender da tradução dos outros que pode nunca existir. Para alguém assim, a gratificação de aprender uma língua tão difícil por até 10 anos supera a frustração, pois devido a um interesse ou paixão pessoal, sempre haverá utilidade para o idioma, mesmo se uma obra específica desejada for traduzida. Para essa pessoa também será mais provável o sucesso no aprendizado, pois ela provavelmente passará várias horas semanais tentando assistir ditos animes sem tradução com o objetivo real de entendê-los.

No fim das contas, o que importa é que esse objetivo seja algo que realmente te gere motivação. Pense em quantas pessoas você conhece que aprenderam inglês para ter acesso a uma obra não traduzida. Talvez você conheça alguém que aprendeu inglês pra jogar Final Fantasy, mas quantos você conhece que aprenderam inglês exclusivamente pra assistir Friends ou ler Harry Potter, sabendo que essas obras estavam disponíveis em português? Quantas pessoas você conhece que aprenderam japonês até um nível avançado pra assistir Dragon Ball? Você pode até conhecer alguém que tentou, mas quantos de fato tiveram sucesso?

O mesmo vale para qualquer outro tipo de objetivo. Pense em quem busca aprender um idioma por um possível ganho salarial. Quantas pessoas você conhece que se tornaram poliglotas porque "um dia talvez alguma empresa pode valorizar"? E você já viu alguém aprender uma língua só porque um dia no futuro quem sabe ela não vai visitar esse país? Aprender um idioma é um comprometimento possivelmente maior do que concluir um curso superior e você não vê pessoas cursando 4 anos apenas pra caso algum dia elas mudem de ideia e queiram mudar de carreira - quando alguém faz um curso, é porque já sabe o que quer, o que inclusive é essencial para que ela tenha a motivação necessária para concluir o tal curso.


Resumo

Muita gente trava aqui porque tem como objetivo a ideia de ser uma pessoa falante do tal idioma, sem possuir efetivamente nenhuma coisa que de fato quer fazer com ele que não é possível fazer sem. As pessoas criam um imaginário de como elas serão mais cultas, serão vistas como mais inteligentes, receberão mais propostas de trabalho, aumentos salariais, assistirão todos os filmes sem legendas, vão impressionar as demais pessoas na próxima viagem, e simplesmente amam essa nova versão melhorada e idealizada de si mesmas. Não é por acaso que os vendedores de curso te prometem todas essas coisas legais que você supostamente, como num passe de mágica, vai se tornar capaz de fazer em poucos meses ou anos de curso. Estão te vendendo uma ideia, uma solução pra um problema que provavelmente nem existe.

A melhor maneira de aprender qualquer coisa é fazendo-a. Se você não está doido pra gastar várias horas dos seus dias fazendo algo e querendo aprender o idioma porque o não conhecimento dele apresenta uma barreira para o que você realmente quer fazer, talvez seja interessante repensar seus objetivos.

Se você não tem nenhum motivo certo para aprender uma língua, mas ainda quer tentar apenas por curiosidade, saiba que dificilmente você conseguirá sair do nível básico. Mas esse pode muito bem ser o seu objetivo e tudo bem. Só não espere conseguir consumir conteúdo nativo sem assistência.



Bibliografia:

[1] De Houwer, Annick (1995), "Bilingual Language Acquisition"
[2] Barron-Hauwaert, Suzanne (2004), "The One-Parent-One-Language Approach"

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